quarta-feira, 24 de março de 2010

84.ª Máriĭŏ Soāreš «Os Objectivos do Milénio» scriψit, no-D.N. de-23.03.2010/1431

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o tempo e a memória

Os Objectivos do Milénio

por MARIO SOARES Ontem [23 Março 2010]

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1Várias vezes alertei, nesta coluna, sobre a incapacidade da ONU para pôr em marcha, os chamados Objectivos do Milénio, não obstante terem sido aprovados, salvo erro, por todos os chefes de Estado e de Governo presentes na Assembleia Geral das Nações Unidas, que decorreu em Nova Iorque, em Setembro de 2000. Passaram dez anos. Muito pouco se conseguiu. E, no entanto, a previsão era que os Objectivos do Milénio fossem cumpridos até 2015. Faltam, portanto, cinco anos.

Talvez por isso - apesar da crise global que afecta todos os continentes e do terrorismo islâmico, que está longe de ter sido vencido - o actual secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, acaba de lançar um oportuno apelo para que na sessão de Setembro próximo se reflicta sobre como keeping the promise (manter a promessa).

Na verdade, a campanha em favor da marginalização das Nações Unidas, tentada por George Bush - e pelo sectarismo hegemónico dos seus apoiantes -, foi abandonada, sensatamente, desde que Barack Obama foi eleito Presidente dos Estado Unidos. Daí que o actual secretário-geral das Nações Unidas tenha regressado - bem e muito oportunamente - aos Objectivos do Milénio, para que sejam cumpridos até 2015.

Em Abril próximo será publicado um relatório de Ban Ki-moon (acompanhado de um apêndice estatístico) para que em Setembro possa vir a ser feita uma avaliação aprofundada das lacunas identificadas em matéria de cooperação internacional.

O secretário-geral da ONU entende que temos hoje "os conhecimentos e os recursos necessários destinados a reduzir substancialmente a pobreza, a fome, a doença, a mortalidade materno- infantil e outros males, até 2015". E vai mais longe. Afirma (cito): "Ficar além dos Objectivos seria um fracasso inaceitável, no plano moral e prático." E acrescenta com extrema lucidez, quanto a mim: "Se fracassarmos a resolução dos perigos do mundo - a instabilidade, a violência, as doenças epidémicas, a degradação ambiental, o crescimento populacional descontrolado -, agravar-se-ão todos." Perigosamente.

No apelo lançado, Ban Ki-moon diz que houve alguns progressos, embora desiguais e lentos. No entanto, afirma que a ausência de maiores progressos deve-se "não ao facto de os Objectivos do Milénio serem inatingíveis ou à falta de tempo, mas sim à circunstância de os compromissos assumidos não estarem a ser respeitados e à falta de recursos suficientes, de motivação e de responsabilização. Isto significa que não têm sido assegurados os financiamentos, serviços, apoio técnico e parcerias necessários. Devido a estas deficiências, a melhoria de vida dos pobres tem sido inaceitavelmente lenta, enquanto alguns melhoramentos, duramente conquistados, estão a ser erodidos pelas crises alimentar e económica".

Com extremo bom senso, o secretário-geral das Nações Unidas sublinha: "Embora o crescimento económico seja necessário, não é suficiente para que se registem progressos. O processo de crescimento tem de ser inclusivo e equitativo, de modo a maximizar a redução da pobreza e o avanço em direcção à realização dos Objectivos do Milénio". A última frase é essencial, em tempo de crise: o crescimento tem de ser inclusivo e equitativo, ou seja: o contrário do crescimento do capitalismo de casino neoliberal. O que muitos não querem compreender, sobretudo uma parte da América e da União Europeia.

E acrescenta: "Os países necessitam de políticas macroeconómicas, voltadas para o futuro, para apoiar um crescimento estável e amplo, devendo, por exemplo, adoptar políticas de investimento público e promover a protecção social universal". Excelente apelo o do actual secretário-geral da ONU! Assim os líderes dos Estados e dos partidos o compreendam e sigam…

2A União Europeia está em risco de vir a desagregar-se. É realmente um perigo sério se os líderes europeus não quiserem compreender que a União Europeia, paralisada como está, e sem uma visão de futuro global - isto é: concertada entre todos os Estados que a compõem -, tem de mudar para poder vencer a crise. Crise que afecta não só a Grécia, a Irlanda, a Espanha, a Itália ou Portugal, mas também o eixo franco--alemão, que não vai bem, arriscando-se, como disse o Presidente Van Rompuy: "A não salvar o seu modelo social, de que tanto se orgulha, como a perder o lugar que legitimamente aspira na cena internacional."

É verdade. A crise atinge todos, embora uns mais do que outros. O euro começa a ser atacado pelos especuladores internacionais, o que é grave, e não só para a Zona Euro, mas para a União Europeia no seu conjunto e para o projecto europeu, que, se não continuar a desenvolver-se - e está há bastantes anos sem progredir, apesar da ratificação do Tratado de Lisboa -, tende, necessariamente, a desarticular-se.

Dir-se-á que certas posições negativas tomadas recentemente pela chanceler alemã, Merkel, contra a Grécia, em especial - e pelos seus apaniguados "liberais" da actual coligação -, têm mais a ver com as próximas eleições regionais alemãs, marcadas para Maio, do que com o futuro da União Europeia. Talvez… Mas aceitar que se diga que a Grécia "podia vender algumas das suas muitas ilhas para, com esse capital, resolver a situação de aperto financeiro em que se encontra não é de todo aceitável porque atinge princípios-base da União: o respeito pelos Estados membros, a unidade, a solidariedade e a igualdade entre todos. Sem esses princípios-base, a União não faz sentido.

A criação de um fundo europeu para valer aos Estados em crise - ou melhor ainda: de um governo económico europeu - é uma medida útil a curto prazo. Mas para a União Europeia se desenvolver a sério não chega. É necessário que a União se assuma como uma entidade política sólida, e isso passa pela política: por um governo político único, ou seja: pela criação, como pensavam os Pais Fundadores, de uma Europa Federal, os Estados Unidos da Europa.

A verdade é que nas principais famílias políticas europeias - os socialistas, os democratas-cristãos, os liberais e mesmo os verdes - ninguém quer pensar nisso, porque implicaria modificações estruturais sérias. Os actuais líderes preferem que tudo fique na mesma, por falta de visão a médio ou a longo prazo. Ora isso não é possível, como aqui tenho escrito, repetidamente. A crise global só será vencida com uma mudança de paradigma de desenvolvimento. Mudança que exige, necessariamente, novas políticas estruturais. Se não as adoptarmos, a União entra em decadência inexorável, ultrapassada pelos grandes colossos emergentes. Os europeus estão a ganhar, paulatinamente, essa consciência. Muitas vezes, em política, as necessidades obrigam. A crise pode ser, se houver uma reflexão aprofundada, uma oportunidade que obrigue à mudança.

3E Portugal? Portugal, repito, não vai bem. Os partidos e alguns sindicatos denunciam uma visão imediatista, de curto prazo. Parecem recusar-se - todos - a reflectir sobre o futuro. O que lhes interessa é o imediato: os da oposição, atirar o Governo abaixo - ou, pelo menos, o primeiro-ministro -, ainda que não tenham alternativa à vista e que, entre si, não se entendam; o do Governo, manter o statu quo, sem visão de futuro, o que também é pouco.

Para já, discute-se o PEC: um programa feito em linhas muito gerais - e à pressa - ferido por uma contradição de base. Ou seja: a necessidade de diminuir o défice em 3%, até 2014, como manda, mal, como se verá, o Banco Central Europeu (o que depende da evolução da União Europeia, como acima referi); e a necessidade social de reduzir o desemprego, a pobreza, as desigualdades sociais, para além da exigência da dignificação do trabalho e de menos despesismo do Estado.

É possível superar esta contradição? Oxalá fosse. Mas há lacunas graves: a omissão quanto aos responsáveis da crise e a impunidade em que continuam os que, entre nós, a provocaram; um projecto de privatizações (Correios, REN, TAP, etc.) que não têm razão de ser e só podem aproveitar aos ricos, nacionais e estrangeiros; os ordenados chorudos dos gestores de empresas públicas e de bancos, que receberam dinheiros públicos para se manter; entre outras. Em suma: a estabilidade é difícil e o crescimento também.

O pior seria acrescentar a uma crise global importada e difícil de vencer uma crise política artificial e sem saída. Alguém quer eleições a curto prazo? Para ser, como o bom senso e as sondagens indicam, penalizado?

Chamar o primeiro-ministro a uma Comissão Parlamentar de Inquérito também não faz sentido. As perguntas são conhecidas e as respostas também: foram feitas e ditas, várias vezes. Trata-se de um diálogo de surdos, que só servirá para desprestigiar a instituição primeiro-ministro, não a pessoa, como as sondagens demonstram. Não serve sequer àqueles que o querem substituir…

Entretanto, o primeiro-ministro, que é um pragmático, não pára. Aí está a visitar o Magrebe - Líbia, Tunísia, Argélia, Marrocos - para desenvolver as nossas exportações para o Norte de África, uma área tão decisivamente importante. Não é isso o que os economicistas pretendem? Terão alguém melhor, de momento, que o faça? Não creio.

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" al-mâdar : http://dn.sapo.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=1525713 , consultāḋo m-24.03[Março/ar-Rabīħ].2010 / 09.04[Rabīħ al-thānī].1431 . Mensāgem modificāḋä m-24.03[Março/ar-Rabīħ].2010 / 09.04[Rabīħ al-thānī].1431 .

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